José Pinto Gomes é uma presença marcante nos estágios de seleção de judo em Coimbra. O judoca veterano, de 66 anos, é um exemplo para todos, demonstrando uma excelente condição física e mental, que lhe permite permanecer no topo, como prova os títulos nacionais de veteranos e o de campeão mundial de -66 kg M8 em 2019.
Licenciado em Educação Física, com mestrado em gestão do desporto, foi treinador da equipa feminina nos Jogos de Barcelona 1992 e Atlanta 1996. Como judoca tem como ponto alto na sua carreira em seniores o sétimo lugar nos Jogos Olímpicos Montreal 1976, na categoria de -63 kg. No recente Almoço de Reconhecimento 2020 da Federação Portuguesa de Judo (FPJ), que celebrou o 61º aniversário da instituição, foi entregue a José Pinto Gomes a graduação de 7.º Dan.
Numa curta entrevista para o site da FPJ, José Pinto Gomes revela-nos o que o motiva para continuar a treinar, “como sempre o fez”, recorda alguns momentos da sua carreira e aponta objetivos para o futuro: “o judo é para toda a vida”.
Qual o objetivo deste seu estágio em Coimbra?
Este estágio faz parte de uma série de treinos que visam a preparação para o Campeonato Mundial de veteranos que está marcado para setembro em Cracóvia, na Polónia. Não é em julho que vou treinar. Há aqui a possibilidade de sermos testados antes dos treinos e depois, ficamos aqui em bolha, portanto há uma grande segurança. Só estão aqui a treinar atletas que não estão contaminados por covid. Temos aqui atletas juniores e seniores.
Este contacto é importante?
Sim. Para se ganhar competições tem de se treinar judo. Claro que realizo preparação física, corro, faço musculação, mas se não fizer judo não vou conseguir ganhar campeonatos, competições, combates. Não podemos ficar meses e meses sem treinar judo. Sem treinar judo nunca poderia ir a um campeonato do mundo.
Como é o dia-a-dia em Coimbra?
É igual a todos os atletas que cá estão. No fim de semana, treinamos na sexta feira das 19 às 21 horas. No sábado de manhã das 10.00 às 12.00. De tarde das 17.00 às 19.00. E no domingo de manhã das 09 às 11 horas.
Que tipo de treinos realizam?
Realizamos treinos técnicos de judo e ‘randori’ e de preparação para as competições. São treinos com trabalho específico de judo.
Treina com outros escalões etários?
Isto é treino, não é competição – caímos, projetamos. Para se evoluir no judo, para desenvolvermos as técnicas temos de experimentar. Não aprendemos as técnicas só a observar. Somos contra-atacados, não temos sucesso, mas a pouco e pouco vão corrigindo, vamos identificando os defeitos e vamos melhorando. Até um certo ponto conseguimos projetar e não ser projetados. A praticar judo é que evoluímos e aprendemos judo.
Porque é que continuou a praticar judo mesmo após ter deixado de ser atleta de alta competição e depois como treinador?
Eu pratico competição de lutas de desportos de combate desde os 14 anos, quando me iniciei na luta. Primeiro no Luso do Barreiro, luta grego-romana, depois passei para o Ginásio Atlético da Baixa da Banheira, onde treinava segunda, quartas e sextas. Já naquele tempo treinava sozinho às terças e quintas, preparação física. Lembro-me de um diretor do ginásio Atlético Clube fazer um comentário que na altura não percebi. Mais tarde já eu era sénior ele recordou-me que sempre treinei mais para conseguir resultados. Claro que as coisas nem sempre correm como gostaríamos. Acontecem coisas que não podemos contrariar que nos impedem de obter outros resultados internacionais. Mas nunca deixei de treinar. A última competição que realizei em seniores tinha 40 anos – foi um campeonato zonal em que fiquei em segundo lugar.
Depois continuou sempre…
O exercício físico é muito saudável. Eu faço exercício porque gosto de me sentir bem. Tenho 66 anos e não tenho tensão alta, diabetes, colesterol porque faço exercício físico. O bem-estar que nos dá o exercício físico, neste caso o desporto, é tão grande que só quem sente os benefícios desta prática não pode querer voltar atrás e ser sedentário, porque o sedentarismo só nos trás complicações.
É uma questão de estilo de vida…
É a minha vida, gosto de fazer, sinto-me bem. Treino como se estivesse a treinar para os Jogos Olímpicos. Quando estamos a fazer exercício, e mesmo a própria competição a determinados níveis, é sempre muito exigente, seja para atletas seniores, seja para veteranos. Uma competição exige sempre muito. A diferença está em termos de exigências da concentração psicológica e da necessidade da condição física quando fiz agora este mundial de veteranos e quando era atleta sénior. Tive que mobilizar toda a minha energia física e psicológica para conseguir ganhar porque no judo numa fração de segundo perde-se um combate. Uma pequena distração caímos e perdemos o combate. Embora seja um combate de quatro minutos, nos veteranos é menos são três minutos, mas depois tem um ponto de ouro. Depois é a decisão. Já não é como nos seniores, mas continua a ser uma grande solicitação física e psicológica.
Como é que analisa o judo nos veteranos?
Para além desta componente desportiva. O judo é para toda a vida. E ao contrário do que as pessoas pensam, eu tenho uma mobilidade articular e uma condição física que me faz sentir como se tivesse 20 anos. Claro que as minhas prestações não são aquelas que tinha com 20 anos. Mas o meu bem-estar físico é o mesmo. E o judo é uma modalidade que na sua prática, não quer dizer que se faça competição, tem muitos benefícios para a saúde e bem-estar. Quando maior é a idade melhor são os efeitos da prática do judo. Porque tem quedas, mantêm uma certa tonicidade muscular. Isso permite-nos ter uma boa locomoção. Se cairmos, tropeçarmos, há uma maior capacidade de reação e aprendemos a cair. Algo que nunca se esquece. A prática do judo não é nada violenta, ao contrário é a suavidade. Em termos biomecânicos não é necessário fazer muita força. Judo é o caminho da suavidade.
E ao nível da competição de veteranos?
Está cada vez com mais praticantes a nível nacional e nível internacional. No último mundial em Marraquexe estiveram presentes mais de mil judocas. São onze escalões etários e sete categorias de peso masculinos e femininos. Em Portugal também está a ter um aumento de praticantes e é confirmado pelos campeonatos nacionais.
Como é que acompanha o judo em Portugal?
Vejo o judo a evoluir. Fui treinador nacional. Naquela altura conseguimos alguns resultados significativos. Era treinador da equipa esperanças masculinos e juniores e seniores femininos. Começamos a treinar mais. A administração pública começou a financiar mais o judo e a federação, o que permitiu-nos contactos, estágios e participações internacionais, o que antes não tínhamos essa possibilidade. E como já afirmei, o judo não evolui sem fazer judo. É a defrontar adversários mais fortes que nos obriga a encontrar soluções para defender e a projetar também. Foi o que aconteceu. Tivemos a primeira medalha num campeonato da Europa de seniores, a Justina Pinheiro, na Polónia 1994 e, em 1995, no campeonato do Mundo a Filipa Cavalleri também fez terceiro lugar. Para além da Sandra Godinho no Torneio de Paris. Isto porque começamos a ter as mesmas possibilidades que as equipas estrangeiras. Houve um caminho que foi preciso desbravar. Os resultados não caem do céu. Não é de um momento para o outro. O que mostra aos mais novos que nós também conseguimos ganhar. Atualmente os resultados que temos pela Telma Monteiro, o Jorge Fonseca são exemplos. Isso deve-se ao trabalho que realizam em Portugal com treinadores competentes. Depois têm a possibilidade de participarem em grandes competições e isso demonstra aos mais novos que também conseguem. Temos muitos jovens com ambição e muita vontade de treinar para poderem ambicionar resultados. A Federação de Judo está a trabalhar bem e os resultados demonstram isso. Continuamos a treinar em Coimbra com esta pandemia, em segurança, porque só treinam atletas testados e depois saem e voltam a ser testados. E isso permite-nos participar nos torneios internacionais, o Campeonato da Europa e Jogos Olímpicos.
Atualizado às 13.56 de 25/01/2021
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